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Execução do PRR não é o maior "perigo". Eis a questão principal

Execução do PRR não é o maior "perigo". Eis a questão principal

 

Em entrevista à Lusa, o professor disse ainda partilhar da ideia que “o Presidente da República tem vindo a transmitir de que é muito importante que em 2023 haja um impulso grande na execução do PRR”, mas “eventualmente” discorda de que o Presidente faça “um grande alarde disso, como se fosse uma coisa surpreendente” e que foque “todas as atenções no nível de execução”, quando essa não lhe “parece ser o maior perigo associado ao PRR”.

A questão principal é “a qualidade da intervenção [do PRR]”, a propósito da qual não tem visto discussão, vincou.

“É um clássico estarmos muito preocupados com a possibilidade de termos de devolver dinheiro a Bruxelas, coisa que nunca aconteceu em Portugal (…) e acabamos por gastar muito menos tempo naquilo que é importante, que é garantir que esse dinheiro está a ser utilizado da forma mais importante para o desenvolvimento do país”, destacou.

Para Paes Mamede, que dirige o Instituto para as Políticas Públicas e Sociais do ISCTE, devia antes analisar-se se foi feito um diagnóstico correto das necessidades do país, depois se foi feita uma afetação de recursos de acordo com esse diagnóstico e, finalmente, se as intervenções definidas são as mais ajustadas para responder aos problemas.

“Uma coisa é olharmos para a execução, outra coisa olharmos para a qualidade das intervenções”, resumiu.

Por outro lado, o economista também considerou “um verdadeiro disparate” afirmar-se que o PRR é a “última oportunidade”, porque “os países não têm últimas oportunidades”.

“Isso não existe”, disse Paes Mamede nesta entrevista à Lusa, porque “os países têm várias vias para o seu desenvolvimento”.

“Eu nem sequer acredito que isto seja o último grande ciclo de fundos estruturais que o país vai receber”, acrescentou.

Quanto ao escrutínio a que deve ser sujeita a aplicação dos fundos, Paes Mamede considera “contraditória” a ideia vigente na sociedade portuguesa de que “há muitos problemas de má utilização dos fundos europeus”, pelo que, em consequência, “aumentam-se brutalmente os graus de escrutínio a que está sujeita à [sua] atribuição”.

Por outro lado — sustentou — “há uma queixa de excesso de burocracia e de excesso de procedimentos, seja na aprovação dos projetos, seja na verificação das despesas”.

“Nós temos de perceber que estas duas coisas vão de mãos dadas”, explicou.

“Em larga medida, as dificuldades burocráticas que existem associadas à gestão dos fundos em Portugal decorrem da desconfiança que se instalou e que, a meu ver, é despropositada, não porque eu tenha uma visão romântica de que não há qualquer espécie de má utilização”, mas porque eles são muito escrutinados, defendeu.

Paes Mamede não excluiu a existência de compadrios e corrupções ligados aos fundos europeus, mas sê-lo-ão, segundo disse, a um nível “infinitamente menor” do que em outros casos, “pela simples razão de que os fundos europeus estão sujeitos a níveis de escrutínio e procedimentos de verificação que têm várias camadas por cima daquelas que são habituais em Portugal”.

Para o economista, este aspeto cria um problema, porque se, por um lado, seria preciso maior simplificação nos procedimentos, por outro, “temos de aceitar que maior simplificação pode acarretar alguns riscos (…) precisamente para diminuir os custos”.

Mas em Portugal — lamentou — há dois “pecados”: a “obsessão pela execução” e a “obsessão pela transparência”.

Em termos de transparência, isto pode significar que sejam alocados muitos recursos administrativos para garantir que são disponibilizados todos os dados e em todos os formatos, sem nos interrogarmos se esse será o problema fundamental.

Para este especialista em políticas públicas, não existe em Portugal um problema de “boas práticas” — é fácil encontrar na Internet listas sobre os beneficiários dos fundos europeus há muito tempo –, sendo que as limitações dizem sobretudo respeito à falta de cruzamento de dados por parte de alguns organismos.

“Nós aí temos alguns problemas de operabilidade, temos alguns problemas da ciência de dados, mas também aí temos de viver com uma realidade que se chama RGPD [Regulamento Geral sobre Proteção de Dados]”, afirmou, questionando: “Queremos ter alguma reserva no que respeita à posse dos nossos dados por parte do Estado e, por outro lado, queremos que, respeitando todos os princípios da privacidade, seja possível a qualquer pessoa saber tudo sobre quem anda a receber o quê?”.

E concluiu: “Acho que as pessoas, os partidos políticos, atores políticos, a comunicação social, focam-se muitas vezes em coisas que prendem muito bem a atenção das pessoas, mas que têm um impacto relativamente limitado em garantir que o dinheiro que é de todos é utilizado como deve ser”.

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Fonte :  Notícias ao Minuto – Última Hora 

 

17 Fevereiro 2023

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